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Processos cognitivos envolvidos na alfabetização

  • Cristiane Dluhosch
  • 2 de jul.
  • 10 min de leitura

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Processos Cognitivos envolvidos na Alfabetização

A Alfabetização é um dos processos mais significativos do desenvolvimento infantil, pois permite que a criança compreenda, interprete e produza textos de maneira significativa. Mais do que um simples ato de decodificar letras e palavras, a alfabetização é uma construção cognitiva, social e cultural, que envolve processos complexos de aprendizagem. Segundo Magda Soares (2003), a alfabetização vai além da aquisição técnica da leitura e escrita, pois abrange o letramento, ou seja o uso efetivo da linguagem escrita nas práticas sociais.

           

A aquisição da leitura e escrita está diretamente relacionada a processos cognitivos fundamentais, como atenção, memória, consciência fonológica e funções executivas, que funcionam de forma integrada para garantir que a criança decodifique símbolos gráficos e atribua significados às palavras. Emília Ferreiro (1989) e Ana Teberosky (1984) revolucionaram a compreensão sobre esse aprendizado ao introduzirem a Teoria Psicogenética da Escrita, baseada nos estudos de Jean Piaget. Segundo elas, a alfabetização ocorre em estágios cognitivos, durante os quais a criança constrói hipóteses sobre o funcionamento do sistema de escrita, até compreender sua estrutura formal.

           

Dentro desse contexto, a neuroaprendizagem desempenha um papel crucial no estudo da alfabetização, pois investiga como o cérebro processa, armazena e recupera informações linguísticas. A neuroaprendizagem baseia-se em princípios da neurociência cognitiva, e explica que a alfabetização modifica circuitos neurais, reforçando conexões entre áreas como o giro fusiforme, que reconhece palavras, e o córtex pré-frontal , que auxilia na interpretação textual (Dehaene, 2009).  

           

Segundo a neuroaprendizagem, a alfabetização não ocorre de forma automática, mas sim por meio de adaptação neural e do fortalecimento de conexões entre diferentes áreas do cérebro. Stanislas Dehaene (2009) afirma que a leitura exige uma reorganização cerebral, onde áreas originalmente destinadas ao processamento visual e auditivo passam a integrar o reconhecimento de símbolos gráficos e sua conversão em sons.

           

Os principais processos cognitivos envolvidos na alfabetização são: Atenção, Memória, Consciência fonológica e Funções executivas. Esses mecanismos são fundamentais para que a criança se torne um leitor fluente e um escritor competente, e seu desenvolvimento depende de práticas pedagógicas eficazes que respeitem as particularidades do funcionamento cerebral. Em seguida, vou explanar cada um desses processos cognitivos, como atuam na alfabetização e quais estratégias podem ser utilizadas para fortalecer esse aprendizado.


1.     Atenção:  A base da Leitura e Escrita

 A atenção é fundamental para o aprendizado da leitura e escrita, porque é o processo cognitivo que permite à criança focar, selecionar informações relevantes e ignorar distrações. Sem atenção, o cérebro não consegue processar adequadamente os estímulos visuais e sonoros da linguagem, tornando a alfabetização muito mais difícil. Temos três tipos de atenção envolvidos nesse processo: Atenção seletiva, atenção sustentada e atenção dividida.


1.   Atenção Seletiva: é um dos processos cognitivos mais importantes para a alfabetização. Ela permite que a criança focalize nas informações relevantes da leitura e escrita, ignorando estímulos externos que possam atrapalhar o aprendizado. Sem essa habilidade, a criança poderá ter desafios para diferenciar letras, reconhecer palavras, seguir a sequência de um texto e construir frases de forma organizada.


Segundo Stanislas Dehaene (2009), a atenção seletiva é regulada pelo córtex pré-frontal, que ajuda a criança a filtrar os estímulos relevantes e a focar na tarefa que está realizando, e durante a leitura, o cérebro precisa excluir distrações visuais e sonoras para interpretar palavras de forma eficiente. Isso significa que a atenção seletiva garante que a criança consiga manter o foco na estrutura da escrita, evitando erros e melhorando a compreensão.


            Se essa habilidade estiver comprometida, a criança pode:

· Trocar ou confundir letras semelhantes, como “b” e “d” – “p” e “q”.

· Apresentar dificuldades para manter o fluxo da leitura, pulando palavras ou frases.

· Perder o sentido de um texto ao se distrair com estímulos externos.

· Acompanhe uma sequência de leitura, sem perder o significado do texto.


A atenção seletiva é essencial para que a criança aprenda a ler e escrever com fluidez, precisão e compreensão. Com estratégias certas, é possível fortalecer essa habilidade e garantir um aprendizado mais eficiente e envolvente!


2. Atenção Sustentada: permite que a criança mantenha o foco na leitura e escrita por períodos prolongados, garantindo a compreensão textual e a organização da produção escrita. Sem essa habilidade, a criança pode perder o sentido do texto, pular palavras ou frases, ou ter dificuldades na construção de frases coerentes.  Essa habilidade é controlada pelo córtex pré-frontal, que regula o foco e a resistência a distrações. O processo da leitura exige que diferentes regiões do cérebro permaneçam ativas simultaneamente por tempo suficiente para interpretar o conteúdo.


Se essa habilidade não estiver bem desenvolvida, a criança poderá:

·        Ler mecanicamente sem absorver o significado

·        Perder a sequência lógica ao escrever um texto.

·        Ter dificuldades para concluir atividades escolares.

·        Escrever frases sem coerência devido à falta de continuidade no raciocínio.


3.     Atenção dividida é um processo cognitivo que possibilita à criança gerenciar múltiplas informações simultaneamente, mantendo o foco em diferentes aspectos da leitura e escrita. Esse mecanismo garante que ela consiga ler, interpretar, escrever e organizar seu pensamento ao mesmo tempo, integrando estímulos visuais, auditivos e linguísticos. A atenção dividida é essencial para a fluência da leitura e escrita, permitindo que a criança processe e organize informações de forma eficaz. Dehaene (2009), destaca que, ao ler, diferentes áreas do cérebro se ativam simultaneamente para reconhecer palavras, associar sons, compreender o significado e estruturar frases. Sem essa habilidade, a criança poderá ter desafios em processar e relacionar as informações, comprometendo a fluidez da leitura e da escrita.


Se essa habilidade não estiver bem desenvolvida, a criança poderá:

·        Realizar uma leitura sem compreensão do que está lendo.

·        Perder a sequência de um texto ao não conseguir integrar informações.

·        Escrever frases sem coesão, pois não consegue organizar ideias enquanto escreve.

·        Ter dificuldades em seguir instruções que envolvem múltiplos estímulos ao mesmo tempo.


Os processos cognitivos de atenção sustentada, dividida e seletiva são regulados por diversas áreas do cérebro, especialmente no córtex pré-frontal, no córtex parietal e em regiões subcorticais que desempenham papel essencial na modulação da atenção. 


Para estimular as áreas cerebrais envolvidas na atenção seletiva, sustentada e dividida na alfabetização, é fundamental adotar estratégias pedagógicas que ativem o córtex pré-frontal, o córtex parietal e o sistema reticular ativador.


Para estimular o córtex pré-frontal, onde está o controle da atenção e funções executivas:

·        Atividades de planejamento antes da escrita – Incentive a organização das ideias em mapas mentais antes de produzir um texto.

·        Jogos de memória e atenção – Como “Stop das palavras proibidas”, onde a criança precisa ler e evitar pronunciar certas palavras.

·        Leitura guiada com perguntas reflexivas – Ajuda a focar no significado, ativando a atenção seletiva e o processamento executivo.


Treinando o córtex parietal, onde acontece a filtragem de estímulos sensoriais e organização visual da escrita.

·        Caça-palavras e atividades de rastreamento visual – Melhora a atenção seletiva e reduz erros na leitura.

·        Ditado com imagens – Associa estímulos visuais e linguísticos, ajudando na escrita com maior precisão.

·        Montagem de palavras com letras móveis – Fortalece a capacidade de identificar padrões linguísticos e ignorar distrações.


Fortalecimento do sistema reticular ativador, onde está a manutenção da atenção sustentada e o estado de alerta cognitivo.

·        Exercícios de leitura prolongada – Aumente gradativamente o tempo de leitura para desenvolver resistência cognitiva.

·        Histórias com reconstrução de texto – Peça para a criança criar um diário, estimulando a atenção sustentada ao longo dos dias.


A alfabetização é impulsionada por uma rede integrada de atenção no cérebro, e o uso de estratégias corretas fortalece essas conexões neurais, tornando o aprendizado mais prazeroso e significativo.

2.    Funções Executivas

As funções executivas são um conjunto de habilidades cognitivas fundamentais para a alfabetização. Elas permitem que a criança planeje, controle impulsos, ajuste estratégias de aprendizado e mantenha a atenção na leitura e escrita. Essas funções são reguladas pelo córtex pré-frontal, uma das áreas mais desenvolvidas do cérebro humano. As habilidades cognitivas que fazem parte das funções executivas, são: Planejamento e Organização, Controle Inibitório, Flexibilidade cognitiva e Memória de Trabalho.


Na alfabetização, as funções executivas ajudam a criança a estruturar pensamento, focar no texto, seguir regras ortográficas e interpretar informações.


1.     Planejamento

O planejamento é uma das funções executivas que permite que a criança organize ideias e pensamentos, estruture ideias e ações antes de executar uma tarefa, e siga uma lógica ao longo da produção textual. No contexto da alfabetização, essa habilidade envolve a capacidade de antecipar passos, definir objetivos e estabelecer estratégias antes de iniciar uma leitura ou uma produção escrita. Ele permite que a criança:

·        Organize frases antes de escrever, garantindo coerência textual.

·        Planeje a leitura, identificando o objetivo antes de iniciar.

·        Estruture argumentos ao produzir textos narrativos ou descritivos.


Sem planejamento, a escrita pode se tornar desorganizada e a leitura sem direcionamento, dificultando assim a compreensão. Uma estratégia muito eficiente para estimular o planejamento é:


·        Mapas mentais antes da escrita: Ensine a criança a desenhar um esquema visual das ideias, para facilitar a organização do texto.

 

2.     Controle Inibitório

É uma função executiva que permite que a criança, regule impulsos, evite distrações e siga regras ortográficas durante a leitura e escrita. Essa habilidade ajuda a manter o foco na tarefa, inibir respostas automáticas inadequadas e evitar erros que podem comprometer a compreensão textual e a coerência da escrita. Essa função executiva e regulada pelo córtex pré-frontal, especialmente na região ventromedial, que é responsável pelo controle da impulsividade e regula o comportamento. Segundo Diamond (2013), um controle inibitório bem desenvolvido permite que a criança pense antes de agir, filtrando informações irrelevantes e garantindo que ela siga normas linguísticas com precisão.

A importância do controle inibitório na leitura e escrita:

·        Mantém a concentração na leitura, impede que a criança pule palavras ou frases, garantindo melhor compreensão.

·        Evita erros ortográficos impulsivos, pois ajuda a criança a revisar palavras antes de escrevê-las.

·        Desenvolve disciplina na escrita, ensina a seguir regras gramaticais e evitar redundâncias.

·        Melhora a construção textual, evita repetições desnecessárias e ajuda na organização do pensamento.

Para fortalecer essa habilidade, é essencial incluir atividades que desenvolvam foco, autorregulação e precisão na leitura e escrita.


 Os jogos são um grande aliado para estimular as funções executivas, para o controle inibitório podemos utilizar jogos que ensinem a criança a esperar a sua vez e a seguir regras, que desafiem a planejar e a controlar as suas ações, promovendo a atenção e foco.

 

3.     Flexibilidade Cognitiva

A flexibilidade cognitiva auxilia a criança a adaptar estratégias de leitura e escrita conforme enfrenta novos desafios linguísticos. No contexto da alfabetização, essa habilidade permite que a criança consiga alternar entre diferentes regras ortográficas, interpretar múltiplos significados das palavras e ajustar sua compreensão de textos diversos. A flexibilidade cognitiva é essencial para que ela aprenda a ler e escrever com autonomia e criatividade, garantindo que ela consiga interpretar textos diversos e construir frases coerentes. Abaixo está a importância da flexibilidade cognitiva na leitura e escrita:

·        Compreensão das palavras novas – Ajuda a criança a formular hipóteses sobre o significado de termos desconhecidos com base no contexto.

·        Adaptação a diferentes tipos de textos – Permite que a criança mude sua abordagem ao ler gêneros variados, como narrativos, descritivos e informativos.

·        Correção e revisão de erros – Estimula a capacidade de reconhecer e ajustar erros ortográficos ou gramaticais sem resistência cognitiva.

·        Fluência na escrita – Contribui para que a criança mantenha a coerência textual e se adapte a novas regras e exigências linguísticas.


Para fortalecer essa habilidade é essencial incluir atividades que exijam adaptação mental e mudança de estratégias.


4.     Memória de Trabalho

A memória de trabalho é uma habilidade que auxilia a criança a reter, manipular e processar informações temporárias, enquanto realiza uma atividade. Essa habilidade é fundamental para que a criança consiga decodificar palavras, construir frases coerentes, manter o fluxo de pensamento e integrar novas informações. Essa função executiva é regulada pelo córtex pré-frontal dorsolateral, uma das áreas mais importantes do cérebro para processamento de informações. A memória de trabalho atua como um sistema temporário de retenção, permitindo que a criança mantenha palavras e conceitos em mente enquanto lê ou escreve, sem perder o sentido do texto. O papel da memória de trabalho no processo da leitura e escrita se mostra importante pois permite a criança realizar:

·        Decodificação de palavras – Auxilia a criança a manter os sons da fala na mente enquanto os associa às letras.

·        Compreensão de Sentenças – Ajuda a manter significado de uma frase até seu término, garantindo fluidez na leitura.

·        Construção de frases na escrita – Mantém palavras e regras ortográficas enquanto a criança organiza as ideias no texto.


Quando há comprometimento nessa habilidade, a criança poderá mostrar:

·        Dificuldade na retenção de informações durante a leitura.

·        Esquecer palavras-chave no meio de uma frase.

·        Construir textos fragmentados e sem estrutura lógica.

·        Apresentar dificuldades na escrita devido à perda rápida de conceitos antes de organizá-los.


Para fortalecer essa habilidade, é importante incluir atividades que exijam retenção temporária de informações e integração de novos conceitos à linguagem, como por exemplo: Jogo de repetição linguística, atividades de sequência narrativa, mapas mentais para estruturar a escrita.

 

A alfabetização é um salto evolutivo no desenvolvimento humano – não apenas um ato de aprender letras e sons, mas um processo neurocognitivo que transforma profundamente o cérebro, o comportamento e a forma de estar no mundo. Como afirmam Ferreiro e Teberosky (1984), a criança não aprende mecanicamente a ler e escrever; ela constrói hipóteses mentais sobre a linguagem escrita, acionando processos cognitivos complexos.

Memória de trabalho, atenção seletiva e sustentada, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e , sobretudo, a consciência fonológica são os pilares invisíveis que sustentam o ato de ler e escrever. Sem essas engrenagens mentais operando em sincronia, a alfabetização se fragmenta. Stanislas Dehaene (2009) nos mostra, por meio da neurociência cognitiva, que aprender a ler reconfigura circuitos cerebrais inteiros, unindo áreas do reconhecimento visual, auditivo e semântico.


A neuroaprendizagem traz a base cientifica: o cérebro é plástico, aprende pela repetição significativa e precisa de estímulos adequados para formar conexões sólidas. Já a neuropsicopedagogia amplia esse olhar, conectando emoções, contextos sociais e práticas pedagógicas. Ela propõe intervenções que respeitam o tempo neural da criança, individualizando o ensino para que o aprender aconteça com sentido.


Portanto compreender os processos cognitivos é o primeiro passo para garantir que toda criança não apenas leia palavras, mas se aproprie do seu lugar no mundo por meio delas.


 

Cristiane Dluhosch

Pedagoga – Psicopedagoga

Especialista em Intervenção

Estimulação e Reabilitação Cognitiva

 

FERREIRO , Emilia ; TEBEROSKY, Ana, Los sistemas de escritura en el desarrolho del niño  :Editora brasileira: Artmed/ Artes Médicas 1984

FERREIRO, Emilia , Os filhos do Analfabetismo, Artmed 1989

DIAMOND, Adele ,  Exexutive Functions,  Annual Review of  Psychology, volume 64 paginas 135-168, 2013

DEHAENE, Stanilas : Os Neurônios d Leitura: Como a Ciência Explica a Nossa Capacidade de Ler.

BADDELEY, Alan , The episodic buffer: a new compenente of working memory. ,  Trends in Cognitive Sciences , volume 4, número 11 ano 2000.

SOARES, Magda : Alfabetização e Letramento, Editora Contexto 2003.

 

 

 

 













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